Lembro-me perfeitamente dos dias inaugurais do meu namoro, que hoje já é findo. E se tornou findo porque se transformou em casamento, não porque se esvaiu o amor.
Naquela época beijos, abraços e sussurros eram mais do que suficientes para que o tempo ancorasse em algum minuto qualquer. Nada mais importava a não ser a presença do, tão inefável, amor da adolescência.
Os telefonemas incontáveis em um só dia, e de duração faraônica, que faziam acabar com a bateria do telefone sem fio em meio a uma conversa, sempre antes do fim. Aliás, fim esse que nunca chegava, o assunto não se esgotava.
Eram cinco ou seis palavras, não mais, em um minuto, ou dois, espaçadas entre si com o tempo suficiente para que se pudesse ouvir a respiração do outro lado da linha.
Ah o amor! A saudade, a imaturidade espelhada no sentimento de dois adolescentes. Imaturo em sua mais nobre pureza.
Passou o tempo e com ele passou a ânsia dos afagos e dos suspiros, tornando a voracidade amorosa em um acalento um tanto quanto diplomático. Sem exageros, monotonamente comedido.
E é quando se assentam os sentimentos sobre os alicerces da razão que vejo desandar aquele tão fomentado “querer-bem”.
Os jantares a dois mais parecem reuniões, os telefonemas tornam-se indescritivelmente breves, quase que um engano. Nada mais do que o essencial.
E o essencial nem sempre é suficiente. Diria eu que na maioria das vezes o essencial é pouco.
Hoje, anos após o beijo trêmulo e a mão suada, já não se escolhe mais o vestido de noiva, a cor, o comprimento da cauda ou a amplitude da grinalda, nem mesmo a decoração da Igreja, ou a cor da casa, ou o nome dos filhos, aliás, quantos filhos serão? Um, dois, três, um time de futebol quem sabe.
Quem sabe.
Hoje o assunto é outro.
Passada a magia encantadora do afair, da entrega de si para ti, e vice-versa, discute-se o regime de bens, o contrato a ser feito, a forma de partilha em uma eventual desavença.
Sobrepôs-se o dinheiro ao amor.
A materialidade ocupou o espaço destinado ao carinho, e com essa substituição a mediocridade fez das pessoas instrumentos de maldade e de friezas polares.
Precaução.
Essa é a palavra que escuto diuturnamente quanto a possível e não menos indecorosa justificativa utilizada pelos “contratantes” para se priorizar o contrato de convivência e a separação de bens à vida a dois.
E, com todo o respeito que a situação exige, não me esguio de perguntar: Precaução de quê?
De que viverá um amor baseado nas leis humanas, um amor com uma entrega não ao outro, mas uma entrega ao Código Civil?
Sim, porque quem pactua o casamento não casa, mas sim, ocupa a posição de “parte” em um negócio jurídico.
Entregar-se de cabeça e dar a cara à tapa já não é mais objetivo de ninguém. Arriscar-se pelo outro não justifica conduta alguma, afinal é preciso precaver-se. É preciso não arriscar-se em nome do dinheiro.
Precaver-se de amar sem medida, de entregar-se de cabeça e mergulhar em algo que pode ser divino. Realmente verdadeiro.
Preferem, hoje, os amantes, a ofensa à pessoa amada pela subjugação aos ditames do patrimônio do que pela fidelidade de um sentimento puro. Tão puro quanto se tornaram raros a confiança e o respeito.
A vida a dois tornou-se indecifrável.
Não por não poder ser explicada, mas por ter conotação diversa daquela de outros tempos.
Indecifrável, porque o amor hoje deu lugar às cifras. Essa é a explicação mais plausível para tamanho despautério.
Cinco anos de casamento não correspondem mais à concepção de presentes divinos representados pelos nossos filhos ou pelo crescimento pessoal e pela felicidade compartilhada mas correspondem à perda de um automóvel novo para a esposa, da necessidade de pagamento de uma pensão, à inenarrável divisão de milhares de reais existentes na conta conjunta.
Sim, o amor tornou-se indecifrável uma vez que depende diretamente das cifras. Do dinheiro. Do capital acumulado. Da dor, que se representa muito maior por ter de repartir o dinheiro do que de ter perdido um amor pra vida toda.
A sensibilidade foi substituída pela patologia do novo século. A inversão de valores que não mais valoriza o toque, e sim, valoriza o cheque.
Os cartões de floriculturas substituídos pelos cartões internacionais. Visa, Mastercard, American Express. Fabuloso!
Em vez de flores, envia-se a fatura do telefone fixo e da internet para que seja “rachada” a despesa! Nada mais justo! Afinal os dois usam! Os dois que consintam em dividir as despesas.
E o coração? Onde fica? Que também vem sendo usado, aquecido e manipulado. Quem vai pagar a conta pelo seu desgaste?
Ninguém considera isso.
Aliás, é bom que nem considerem o coração importante, pois poderá brevemente se tornar alvo de alienação judicial e possível meação.
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